Um tema interessante que me fez registar no vosso site, parabéns ... Embora já vos siga à muito pelas redes sociais
Desde +/- 2010 que faço apoio de carro a um peregrino (sogro) que vai à cerca de 20 anos a Fátima a pé todos os anos, inicialmente em grupo e posteriormente passou a fazer-lo sozinho. Fez-lo sempre pela estrada nacional e na altura do 13 de Maio, o que me intrigava pela negativa, tanto pelos vários perigos inerentes à via escolhida, como ao sacrificio generalizado que fui assistindo nos vários grupos organizados com que me ia cruzando no caminho ao longo desses anos. O que contribuiu para nunca ter interesse em fazer este caminho a pé.
Em 2017 fizemos o nosso primeiro caminho para Santiago (V. N. de Famalicão - Rates - ... - Santiago), nesse ano surge a primeira curiosidade sobre o caminho de Fátima e o seu paralelismo com o caminho de Santigo. Dei por mim a questionar o mesmo que o maar3amt.
Pesquisas e mais pesquisas, acabei por encontrar um grupo de facebook que ainda encontram online, mas já sem atividade desde 2021, "Associação de Amigos dos Caminhos de Fátima" e através do trabalho deles de mapeamento e marcação no terreno o primeiro mapa fora da estrada nacional. Infelizmente o grupo caiu tanto quanto sei devido a interesses economicos do Turismo de Portugal, que decidiu investir nos Caminhos de Fatima e riscar em cima de trabalhos já feitos, remarcando um novo caminho que se desvia em alguns momentos do trilho inicial por interesses turisticos e economicos (o tipico). Mas são outras histórias que não interessam para aqui.
O que interessa é que em 2018 arrancamos pela primeira vez a pé para Fátima com esse mapa que trilhava o inverso do caminho de Santiago (chamaram-nos malucos por fazer mais uma batelada de kms comparado com a estrada nacional). Saimos com um GPS do carro que eu tinha martelado para colocar trilhos em caso de nos perdermos, à procura de setas azuis ou na falta delas olhavamos para trás em busca das setas amarelas e alguns possiveis sitios de pernoita.
Saindo de VNFamalicão, o primeiro albergue só no porto, mais de 40kms no primeiro dia, foi o primeiro entrave e não iamos preparados para subir tanto monte na Trofa, chegamos tarde e exaustos. Segundo dia até São João da Madeira, sabiamos que podiamos ficar no lar da Santa Casa e como não apareceu mais nada pelo caminho foi lá que ficamos. Terceiro dia iamos dormir a um albergue na Mealhada, mas rebentamos em Agueda. Defenitivamente por causa das pernoitas as etapas ficaram muito longas e foi o nosso principal erro.
Em 2019 depois de mais um ano a estudar, voltamos a Agueda e já com etapas mais ponderadas retomamos o mesmo caminho, ainda assim, em Coimbra, Ansião e especialmente Caxarias foi complicado encontrar local para pernoitar. Percebemos no entanto que de Coimbra para baixo, nos começavamos a cruzar com peregrinos de Santiago que tinham iniciado em Lisboa e faziam paragem em Fátima, todos metiam conversa connosco para saber se iamos para Fatima e faziam questão de dizer que vinham de lá. Estranhamente em Caxarias onde segundo indicações os bombeiros recebiam peregrinos, foi nos negado apoio e acabamos no centro da vila à procura de dormida, tendo ido parar à Pensão Manalvo, uma casa que na altura parecida saida de um filme da decada de 70 ou 80 e que rapidamente percebemos que estava cheia de peregrinos franceses, porque num dos seus guias fazia estranhamente referencia aquele sitio. Dia seguinte chegamos a Fátima, fiquei convencido que aquele sim era o caminho certo.
2020 e 2021 voltei a fazer apoio em estrada, sempre a tentar convencer o meu sogro a sair da estrada nacional, todos os anos apanhavamos um susto diferente, por sorte nunca tivemos nenhum azar.
Em 2022 finalmente aceita o meu desafio (em parte pelos stresses do covid), embora reticente por serem mais kms e com a condição de eu o acompanhar a pé. Teria de ser no maximo 6 dias (ele costuma fazer pela estrada uma media de 4/5 dias e não queria fazer muito mais que isso)... Amarrei o maps e o google e rapidamente fiquei desiludido com a queda dos Amigos do Caminho que em muito me orientaram da primeira vez. Felizmente ainda tinha o mapa deles e encontrei depois um ultimo que fizeram a sobreporem ao do turismo de portugal, onde alertavam para zonas onde se saía do caminho de santiago sem motivo. Marquei os sitios onde tinha dormido em 2018/19 e procurei novos sitios de forma a conseguir etapas de cerca de 30kms, para surpresa minha encontrei sitios de acolhimento paroquial e os albergues aumentaram (ou a publicidade online com o crescimento das plataformas de divulgação) e consegui assim planear etapas mais comedidas.
Arrancamos para chegar lá no 12 de Maio de 2022, até ao Porto indo pelo caminho de santiago via Trofa foi um sossego, chegamos com marcação no albuergue e o sossego de 2018 (temos o primeiro contato com as credenciais para Fatima, mas nao adquirimos nesse ano porque eu levava a minha da ida em 2017 a Santiago para carimbar o caminho de Fatima). Saindo do Porto começamos a encontrar grupos organizados sempre que cruzavamos a estrada nacional e começaram os stresses, quanto mais desciamos mais impossivel de arranjar alojamento era e nem marcações valia apena tentar fazer, a resposta era sempre a mesma "está tudo cheio".
Os grupos da estrada nacional recorriam a tudo o que é alojamento (aliás é já fonte de rendimento de algumas associações nessa altura dar acolhimento a grupos), com marcações antecipadas, foi um problema que nos obrigou algumas vezes a fazer kms extra até zonas de apoio na estrada nacional para dormir nos mesmos sitios que eles e no dia seguinte voltar para trás para retomar o caminho.
Jurei não voltar a fazer o caminho para chegar nos dias 12/13 de Maio. Passei o caminho à procura de alojamentos, residenciais, albergues (publicos e privados) o que me permitiu aumentar o arquivo que ja tinha. No entanto por supresa minha, o meu sogro depois de anos e anos pela estrada nacional e bastante reticente em mudar o caminho, termina a dizer que depois da experiencia não sabe se volta à estrada nacional.
2023 e já com algum conhecimento de causa, um trilho definido, locais de pernoita praticamente decididos, desafio mais 3 pessoas que aceitam e arrancamos duas semanas depois do 13 de maio. Um grupo de 5 pessoas, 4 credenciais compradas online facilmente e outra no albergue do porto, 7 dias e finalmente conseguimos que o ambiente fosse semelhante ao que nos apaixonou no caminho de Santiago em 2017. Correu muito bem, curiosamente a cada ano que passa cruzamos com mais gente que vai para Santiago passando em Fátima e nos locais de pernoita a informação é que cada vez mais gente tem ido para Fátima também nestes caminhos (o que nem sempre se reflete em boas historias).
2024 novamente apenas com o meu sogro, decidimos arrancar quando toda a gente estava a chegar... Arrancamos no dia 11 de Maio, desta vez reduzimos novaente para 6 dias, aumentando a quilometragem diaria nas etapas mais urbanas e monotonas. Literalmente até Águeda, sendo que daqui para a frente, em especial a partir de Coimbra o caminho tem um maior interesse, além de saber sempre bem reduzir a quilometragem dia após dia. Demonstrou-se uma boa escolha, conhecemos novos albergues e novas pessoas, apanhamos mais peregrinos estrangeiros de Santiago a vir das celebrações do13 de Maio e obviamente isso causava curiosidade neles sobre o motivo de irmos fora das "festividades" o que proporcionou também mais conversas. As pernoitas com a passagem dos anos vai ficando mais facilitada, porque já começamos a conhecer os donos dos albergues, o que facilita às vezes até um agendamento informal.
Regressamos a casa tão motivados que umas semanas depois o mesmo grupo arrancou para Santiago, nos pela segunda vez e os restantes pela primeira
Este ano vamos experimentar as celebrações do 13 de Outubro (celebração da ultima aparição), a ver se os albergues não estão tão completos e para tentar fugir ao calor tipico de Maio e mudar um pouco a paisagem para cores de outono, vamos ver o que o caminho nos reserva.
Isto tudo para explicar no meu ponto de vista a razão principal para ambos os caminhos não seguirem para já a mesma tendência e dúvido que venham a seguir tão cedo.
- O motivo de um peregrino de Santiago é o caminho, a experiencia, a reflexão, a procura por algo dentro de nós, ou simplesmente a desconexção da vida que levamos. A entrada na cidade na maioria das vezes é por muitos descrita como uma "desilusão", opinião que partilho. O mesmo se percebe depois, quando se quer repetir o caminho ou fazer outros diferentes.
- O motivo de um peregrino de Fátima é a chegada ao santuário (muitas vezes o mais rapidamente possivel, porque só conseguiram uns dias de férias), o cumprir de uma promessa, o sacrificio doloroso para "pagar" um pedido de ajuda impossivel. Quase sempre só fazem uma peregrinação e não querem repetir por ter sido uma experiencia dolorosa, por isso procuram quase sempre um grupo para facilitar essa travessia, que lhe forneça dormida, cuidados e alimentação, porque não saber o que esperar e depois não quer voltar a repetir a não ser por necessidade. Quando é um peregrino "repetente" (promessas de anos ou apenas motivo religioso) tem tendencia a desvincular-se dos grupos, por causa do custo, das etapas grandes, dos objectivos horarios para ter as refeições/dormida, dr ter de andar ao ritmo das outras pessoas e principalmente porque quando falamos em grupos de 50/100/200 pessoas muitas vezes o ambiente durante o caminho é tudo menos religioso.
No ano passado sumei ainda alguns relatos menos felizes de pequenos grupos deste tipo de "peregrinos de estrada", que passaram na semana antes de nós para chegarem no 13 e que por algum motivo (publicidade na tv) decidiram fazer o caminho fora da estrada nacional. Tendo deixado por onde passaram uma marca negativa em albergues/paroquias que dão pernoita, assim como, em sitios de refeições.
Por estas experiencias penso que o fortalecimento do caminho interior para Fátima, seja ele qual for (santiago invertido, carmelitas, etc), terá sempre de se focar num publico especifico e não no mesmo das peregrinações anuais. A quantidade de pessoas, assim como, a mentalidade das mesmas, sobreposto a um caminho mais natural como o de Santiago, resultará numa sobrecarga que no meu ponto de vista será negativo pela destruição, poluição, confusão e caus que causará.
No entanto concordo sim com uma descentralização da estrada nacional 1 e criação de uma opção por estradas paralelas onde possam caminhar mais seguramente e ter os apoios que têm atualmente de instituições e veiculos. Conseguindo se calhar até uma melhor resposta e menos congestionamento de vias principais. Podendo depois sim neste caso existir uma canalização para vilas e cidades que pode ser associado a algum turismo religioso.
Quanto ao caminho interior e à sua aproximação à tendência dos caminhos de Santiago, terá de ser um publico semelhante ao dos Caminhos de Santiago, pela mentalidades, assim como, pela quantidade e distribuição de peregrinos por várias epocas do ano sem se focar apenas em Maio. Faz todo o sentido as credenciais para controlo de prenoitas, mas também para uma aquisição do comprovativo de conclusão do caminho que não existe ainda aquando da chegada a Fátima.
A existencia de um caminho principal (caminho de Santiago) onde confluem vários outros que vêm de cidades diferentes é também interessante, podendo depois a partir de Coimbra seguir ou alterar para variaveis diferentes como o caso das Carmelitas ou um outro que me falaram à uns tempos e entra pelo castelo de Ourém por exemplo.
Fará sentido também e a meu ver um ponto muito importante, incutir nos peregrinos de Santiago (nacionais e internacionais) a possibilidade da passagem ou até a partida de Fátima e o cruzamento de ambos os peregrinos ao longo do caminho. Por experiencia propria ao longo destes anos, sempre que nos cruzamos com alguém, perguntam para onde vamos ou os que conhecem se vamos para Fátima, normalmente acabamos a conversar sobre o santuário e as peregrinações. Destes certamente muitos foram pesquisar e ficaram curiosos como nós ficamos a primeira vez que nos falaram em Santiago.
A oferta de albergues para encurtar etapas é também essencial, embora tenham vindo a crescer principalmente os particulares (não muito interessantes para o bolso dos Portugueses). Os municipios estão finalmente a reconhecer algum interesse neste turismo, por exemplo abriu em Cucujães este ano um novo que colmata uma falta de oferta em São João da Madeira (onde apenas a santa casa permitia de forma condicionada a pernoita nas suas instalações), mas mesmo assim ainda há muitas etapas longas.
Outra coisa que também existe pouco é documentação cativante, enquanto Santiago pela vertente histórica tenha artigos, livros, historias, etc. Fátima remonta a 1917 e quer queiramos ou não a peregrinação é uma tradição muito nossa, que tem vindo a expandir pelas vindas dos papas cá, a leitura a nivel de livros e artigos também não é tão cativante para a maioria do publico.
No meu ver há um grande trabalho a fazer, mas em dois sentidos diferentes!
Podendo vir a confluir com a mudança dos peregrinos ao longos dos anos, mas o mais provavel é conviverem com trajetos e "publicos" diferentes.
Desculpem o alongar do texto, espero ter contribuido com alguma coisa para essa ardua tarefa
Cumprimentos e bons quilometros,
Filipe.