O percurso começa no coração histórico de Barcelos, mesmo em frente ao imponente Pelourinho. Aqui, onde outrora se aplicava a justiça municipal, começa também esta viagem no tempo. À volta, as ruínas do Paço dos Condes e o Museu Arqueológico a céu aberto recordam-nos que esta terra tem raízes profundas. É também aqui que se ergue o famoso cruzeiro ligado à lenda do Galo de Barcelos - história que continua a dar identidade e cor a esta cidade.
A partir deste ponto, deixamos o casario para trás e descemos até à margem do rio Cávado. O som da água acompanha-nos, e aos poucos, o ritmo abranda. Entramos nos passadiços de Barcelos, onde a madeira sob os pés e a frescura do rio tornam cada passo mais leve. À esquerda e à direita, a paisagem verde convida a respirar fundo. É fácil esquecer o mundo aqui.
Subimos de novo ao centro urbano, onde o Jardim Municipal de Barcelos nos recebe com os seus bancos, esculturas e canteiros coloridos. Um lugar de encontros, memórias e tardes de conversa à sombra. Mais à frente, escutamos a água do Chafariz do Campo da Feira, um ponto de paragem obrigatório num lugar onde, há séculos, o bulício das feiras fazia eco pelas ruas.
A caminhada leva-nos até à Igreja de Santo António dos Capuchinhos, modesta por fora, serena por dentro, com a tranquilidade própria de quem carrega séculos de fé. Continuamos o percurso e, após umas ruas movimentadas, passamos pela estação de comboios - ponto de partida e de chegada, de reencontros e despedidas.
Não muito longe dali, numa zona mais calma, encontra-se o Memorial aos Ex-Combatentes. É impossível não abrandar o passo. As palavras gravadas, os nomes, os símbolos - tudo ali convida à reflexão. Um momento para lembrar aqueles que partiram longe de casa.
A próxima paragem é a Capela do Menino Deus. Discreta e encantadora, parece guardada pelo tempo. Quem por ali passa nota sempre o carinho com que é tratada - uma joia escondida de fé popular.
Seguimos até ao Jardim Velho, onde as árvores antigas parecem contar histórias a quem se senta por ali. Descer pela Avenida da Liberdade é como atravessar um corredor de memórias urbanas, que nos leva até à belíssima Igreja do Senhor Bom Jesus da Cruz. A fachada barroca impressiona, mas é a ligação à romaria das Cruzes que lhe dá alma. Este é um dos espaços mais simbólicos da cidade, onde a fé e a tradição se cruzam todos os anos.
Daqui, o Passeio dos Assentos oferece uma caminhada tranquila por entre zonas ajardinadas e sombras frescas. De repente, ergue-se diante de nós a Torre Medieval de Barcelos, uma sentinela de pedra que resistiu ao tempo. Mais abaixo, no Largo do Apoio, sente-se o pulsar da cidade viva - com os cafés, o comércio e o vai-e-vem dos barcelenses no seu dia a dia.
Atravessamos a praça da Câmara Municipal, edifício de linhas clássicas e sóbrias, e seguimos até ao Museu de Olaria. Aqui respira-se o barro - literal e simbolicamente. É nesta arte que Barcelos se revela como terra de criadores, onde cada peça moldada conta uma história.
O caminho conduz-nos depois ao Largo António Barroso, onde a Igreja Matriz de Santa Maria Maior se impõe com a sua grandiosidade. O interior surpreende tanto quanto o exterior - é um lugar onde o sagrado e a beleza se encontram. Pouco depois, regressamos ao Museu Arqueológico de Barcelos, agora com novos olhos, porque já vivemos cada pedaço desta cidade com os nossos próprios passos.
Terminamos o percurso onde tudo começou, em frente ao Pelourinho. Só que agora, trazemos connosco o coração mais cheio, os sentidos mais despertos e uma nova ligação com Barcelos - uma cidade que se descobre devagar, de corpo e alma.
A Lenda do Galo de Barcelos
Conta a tradição que, há muitos séculos, Barcelos foi palco de um milagre inesperado. Um peregrino galego, a caminho de Santiago de Compostela, foi acusado injustamente de roubo e condenado à forca. Apesar de protestar a sua inocência, ninguém acreditou nele.
Desesperado, pediu para ser levado à presença do juiz antes da execução. O magistrado encontrava-se num banquete com amigos, mas aceitou ouvi-lo. O homem, firme na sua fé, apontou para o galo assado que estava na mesa e disse:
?É tão certo eu estar inocente, como esse galo cantar quando me enforcarem.?
Todos riram da ousadia, mas o juiz, impressionado com a convicção do peregrino, decidiu não ignorar o presságio e adiou a execução. E foi então que, no momento em que o homem estava prestes a ser enforcado, o galo assado ergueu-se da mesa e cantou com força!
Rapidamente, o juiz correu até ao local da execução, impedindo a morte do inocente mesmo a tempo. Anos mais tarde, o verdadeiro culpado foi descoberto, e o galego voltou a Barcelos para agradecer o milagre. Como forma de agradecimento, mandou erguer um cruzeiro em honra de São Tiago e da Virgem Maria.